23.11.12
Um livro me roubou
Nasceu uma lágrima na minha garganta, pequena, invisível, mas me
impedia de deglutir, inchando minha língua, meus lábios. Explorando minha
respiração em ritmo profundo cada vez mais forte e dilacerante. Finalmente! Desceu
minha epiglote, alcançou meu coração e parou por ali, pensou... “que lugar
aconchegante”, e ficou por lá, batendo, batendo, batendo, e começou a
doer. Dorzinha de alma, que coisa boba, lágrima não tem alma. Mesmo assim
rasgava cada vez mais fundo. Não queria mais batimentos, nem ritmo, decidiu. Existir
já consumia toda sua energia então desceu para o estômago. Coitada, só para
encontrar mais sofrimento. Agora era um dor entorpecente de falta, se
espalhando na superfície, na carne, no osso. Fome. Mas que besteira, onde já se
viu lágrima passar fome como um judeu embaixo de um porão. Desistiu de tanta
sofreguidão, correu para os pés, para correr ainda mais, para longe, para
perto, como fugir? Para onde? Por quê? Quem culpar? As palavras... “Então
é a boca”. Sim, voltemos à famigerada. Vingança! Mas a boca ardia mais
que o estomago, a dor aumentava nas mandíbulas sem uso. E tinha aqueles soluços,
aqueles acompanhados de outras lágrimas que nascem nos olhos, que ditavam o
ritmo das pontadas no coração e salgavam a língua. Não é a boca! Enfim. Sim! Posso
ver A Resposta... Posso? São as palavras. Ditas. Ditas? Talvez. Imaginadas,
sentidas... Medo. M-E-D-O. Bicho. Homem-bicho. Bicho papão. Bicho Superior Sem
Medo. Morte. Morta de dó. Dói? Segundo ela “é rápido, só o tempo de
colorir o céu. Existem coisas que doem mais”... Ah, sim! A menina. O
frio. Boom. Só frio. Trem. Saukerl. Boom. Acordeão. O Vigiador. Boom. Sirene.
Boom. Boom. Boom. “Papai...” Céu pálido. Nuvens de fogo. Os seres
humanos me assombram, disse a Morte. Não, disse a lágrima, o que eles fazem me
assombram. Não, disse eu, os livros me assombram.
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