29.4.11

faz tanto tempo que não te vejo

As mãos dela tremiam e a fala acompanhava esse ritmo pausado. A risada saia como a última respiração de um moribundo, mas ainda sim todos os olhos se enchiam de um brilho indescritível quando ela sorria. Ah, e como ela adorava toda essa atenção. Foram décadas de uma vida, não uma vida intelectual ou milionária, mas uma vida cheia de altos e baixos, e com essa experiência ela respondia as brincadeiras e rememorava causos.
Cabelos brancos, delicadamente amarrados por um lenço, os traços dos dias no rosto, as marcas do sol e do trabalho por toda a pele. Epiderme tão sensível quanto um tomate e enrugada feito marajuca. Mas isso não a incomodava, porque a beleza era passageira, de nada valia, isso ela fazia questão de repetir constantemente. Não víamos mais os seus dentes mas o seu senso de humor ainda estava ali, resistente e mais ávido do que nunca. Os anos não a derrotaram, nada pode derrotar espíritos livres, nem o medo, nem o descaso daquele quarto de asilo.
Com dificuldade os ouvidos se ajustavam para compreender as palavras, o som da voz daquela guerreira, as lágrimas eram contidas no peito, e a mente tentava afastar a lembrança de uma certa nordestina, que me ensinou a levantar sempre que caia, que me ensinou a dar sempre o melhor de mim e o valor da disciplina. Uma vózinha que partirá para longe. Então percebi que o câncer não derrota ninguém, os sussurros de criticas não destroem fortalezas, a ação do oxigênio não é suficiente para abalar pessoas de verdade. E aquela senhorinha simpática e espevitada era uma pessoa de verdade e me ensinara o valor disso, naqueles poucos quartos de horas compartilhados.
Sai de lá cheia, mas não de pena ou de alivio pelo ato caridoso. Sai de lá cheia de mundo, querendo absorver tudo o que a vida oferece, todos os baques, todas as glorias e ventanias, querendo alisar todas as linhas do globo terrestre, abraçar todos quantos conseguir, parar um tanque chinês, beijar todos os marinheiros ao fim de todas as guerras, pinchar o muro de Berlim, derrubar a estátua de Stálin, me esconder em todas as matas outrora usadas pela guerrilha cubana, tirar fotos épicas. E principalmente de ter a mesma alegria por viver. Depois que tudo isso tiver passado e os meus cabelos brancos forem minha coroa de glória, espero que a minha vozinha goste de quem eu me tornei.
Há vinte anos você nasceu ainda guardo um retrato antigo, mas agora que você cresceu, não se parece nada comigo.  Amanha é 23 - Kid Abelha

4 comentários:

  1. arrepiou a alma. lindo mesmo, Evelin. beijos!

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  2. eu gostei pra caramba Evelin! Vale a pena vir aqui e ler os seus posts!! :P

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  3. Muito lindo :')
    Não dá nem pra comentar o quanto penetra a alma.

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